Governadores e empresas preocupados com fim de benefícios ocultos previsto na reforma tributária

Um dos principais entraves à reforma tributária é o possível fim de benefícios fiscais ocultos que permitem a determinadas empresas obter créditos de impostos que nunca foram pagos, a partir de incentivos dados por alguns governadores às custas de outros estados.

Como só podem ser vistos pelas empresas beneficiadas, são chamados por alguns especialistas de benefícios fantasmas. A legislação atual determina que eles devem ser extintos até 2032, mas há uma tentativa de ressuscitá-los dentro do novo imposto sobre o consumo. Por isso, também são classificados como incentivos zumbis.

De acordo com levantamento da Febrafite, entidade que representa os fiscais de tributos estaduais, esses privilégios representaram uma renúncia anual de mais de R$ 60 bilhões de ICMS, principal imposto dos estados, em 2021. Em 2023, o valor pode estar próximo de R$ 100 bilhões, dentro de uma renúncia total desse imposto de R$ 228 bilhões.

Trata-se do chamado crédito presumido ou outorgado, que pode ser descrito como uma espécie de desconto no recolhimento do imposto que não é informado na nota fiscal –para que seja possível pedir o ressarcimento integral do tributo– e pode ser concedido a uma empresa em particular, sem beneficiar os concorrentes.

Entre as distorções geradas por esses incentivos está a possibilidade de empurrar a conta do benefício para outros estados. Boa parte da perda fica com São Paulo, que arca com créditos de benefícios de outros locais –e reage concedendo seus próprios incentivos.

Outro efeito é gerar uma “tributação negativa” sobre alguns produtos. Ou seja, em vez de pagar o imposto, a empresa ganha um subsídio oculto, quando se considera o saldo final da operação. Esse sistema beneficia, por exemplo, grandes exportadores do agronegócio e do setor de mineração e importações do setor varejista.

Como funcionam os incentivos

Uma das formas de utilizar esse benefício fiscal é com a “venda” de um produto de uma empresa para outra companhia do mesmo grupo, cada uma localizada em um estado.

Em um exemplo citado pela Febrafite, o vendedor inclui na nota fiscal um ICMS de 12%, alíquota prevista na lei para todos os contribuintes, mas apenas 3% são efetivamente recolhidos pela empresa beneficiada, que tem direito a 9% de abatimento de crédito presumido.

O comprador, que pode ser uma empresa do mesmo grupo econômico, utiliza o valor do imposto que está na nota fiscal (12%) como um crédito tributário contra o estado de destino da mercadoria.

Esse último local fica responsável por arcar com um crédito de 12%, sendo que 3% foram para um estado vizinho e os outros 9% para a empresa vendedora.
O crédito pode ser utilizado para compensar outras despesas com o mesmo tributo. A empresa também pode vendê-los a outras companhias para fazer caixa. Empresas de energia elétrica estão entre os principais compradores.

Essa sistemática também é utilizada na importação, o que já ficou conhecido como guerra dos portos. Há casos em que um ICMS de 12% sobre produtos estrangeiros pode se transformar em 1% efetivamente pago mais um crédito de 11%. Isso pode zerar outros custos de importação e dar vantagem ao produto importado em relação ao nacional. O expediente é utilizado na compra de vinho e outros produtos alimentícios do Mercosul por redes de supermercados, por exemplo.

Outra situação comum é quando companhias do agronegócio ou mineração exportam por meio de filiais em outras unidades da Federação. Com isso, cria-se um subsídio oculto que pode compensar até os resíduos tributários que seriam eliminados com a reforma.

“O instrumento primordial da guerra fiscal é o crédito presumido, porque ele tem o efeito de diminuir o imposto a pagar na origem e transmitir o crédito cheio para o destino”, afirma Ângelo de Angelis, membro da Comissão Técnica da Febrafite e autor de vários estudos sobre o tema.

Segundo ele, benefícios como alíquotas baixas e isenções não têm esse mesmo efeito, pois não fazem a transferência plena de créditos. Além disso, o mecanismo permite ocultar subsídios à exportação, driblando as regras da OMC (Organização Mundial do Comércio).

“Essa figura do crédito presumido tem de ser abolida do nosso sistema jurídico. O crédito não corresponde ao imposto efetivamente pago na operação anterior, e quem se apropria do dinheiro é a empresa privada”, afirma.

Fonte: FolhaPress

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